top of page
  • Foto do escritorwytways

T1 EP2 (WYT)

Atualizado: 24 de jul. de 2023

🔌 Este texto surgiu da conexão de ways. Leia aqui!


DENTE DE LEITE

PARTE 1


Não foi um dia fácil. O menino perdeu o dente da frente. À noite, ficou passando a língua no espaço vazio da boca, com muito medo de que não nascesse nada no lugar. Segurou o dente de leite nos dedos, mas se sentiu mal e logo o escondeu debaixo do travesseiro. Tinha esperança de que a fada do dente levasse aquilo embora. Sonhou em ser muito pequeno. Tão pequeno a ponto de entrar na própria boca e entender a própria língua. Se tivesse esse poder faria na planície vermelha o obelisco de esmalte que tanto queria. Também aproveitaria para decretar o fim da cárie. Assim as crianças poderiam finalmente dormir com as bocas cheias de açúcar e viver cercadas de fadas, duendes e coelhos, de preferência de chocolate. Pouco antes de fechar os olhos, teve a real impressão de atravessar rios achocolatados e pular em rochas de bombons, até que escorregou numa delas, de tão lisas que eram, e enfim dormiu.


Pela manhã, notou algo estranho ao tatear o lençol: alguém tinha deixado uma moeda de chocolate no lugar do dente. Tentou morder o doce, mas era muito duro. Chamou sua mãe para falar do ocorrido, mas ela fez pouco caso. Intuindo que a moeda tinha algum valor, ele resolveu protegê-la. Recortou uma cartolina no formato de um pequeno envelope. Colocou a moeda dentro. Grampeou. Montou um colar de clipes encadeados. Colou o envelope no meio do colar. E assim foi feito o amuleto.

PARTE 2


Longe dali, num parque abandonado, rangia um balanço de brinquedo. Era tarde da noite. Um sujeito baixo, vestindo um terno preto e um grande chapéu de abas largas fumava seu cigarro direto na boca, sem encostar os dedos. Seus braços seguravam as correntes do balanço do parque. Seus pés se apoiavam no assento do brinquedo. Seus olhos miravam o chão estáticos. Dava tragos vagarosos e soltava a fumaça com uma indiferença que por pouco não deixava o cigarro cair. Quando uma voz delicada e invasiva surgiu praticamente dentro do seu ouvido:


F: Você não atende mais o telefone?

Ele parou com a orelha bem alerta esperando que não pudesse ser visto. Tentou segurar na boca a fumaça mas logo começou a tossir. Esperou que aquela voz sumisse se fosse ignorada.

F: Eu vim trazer a mensagem pessoalmente se você cortou os fios do telefone.

C: Eu não cortei os fios. Os fios que me cortaram.

F: Você não vai olhar para mim?

C: Pode falar daí. Eu quero ver o desfecho desta cena. Tem um sanduíche mordido no meio do parque. Quero saber qual será o primeiro inseto a comê-lo.

F: Você prefere ver um inseto a me ver?

C: No momento sim.

F: É triste te ver assim. Se você soubesse quem você é...

C: O que você faria se fosse eu? Pagaria para ver?

F: Não, já tenho trabalho suficiente sendo a mim mesma. Mas sem você nada pode se concluir. Sabe que dia é amanhã?

C: Que diferença faz?

F: Eu sei que você sabe. E vem pro fim do mundo fugir das suas responsabilidades?

O sujeito desceu do balanço, ainda de costas para quem falava, se agachou e apagou o cigarro, fincando no sanduíche.

C: Venha, vamos sentar naquele banco, vamos conversar.


Ele tirou do paletó um frasco de chocolate em gel 70% e borrifou nas mãos.


C: Aceita um pouco?

F: Você esqueceu que eu me vaporizo em chocolate? Não preciso disso.

C: É verdade. Só é uma pena que não suma depois de alguns baforejos.

. . .

PARTE 3


Ele caminhou até o banco com lentidão, como se carregasse um peso de toneladas nas costas. Quando enfim chegou, ela já estava sentada no banco com uma vela acesa pousada ao lado.


FADA: Eu espero o tempo que for, sei que para você o tempo é sempre relativo.

Ele tirou o chapéu, liberando as grandes orelhas.

COELHO: Não podemos demorar muito. Apesar deste ser um lugar seguro, nunca se sabe.

FADA: Relaxa.

COELHO: Por que você ainda quer continuar este ano?

FADA: Os nossos serviços nunca foram tão essenciais, querido.

COELHO: Que grande impacto haveria se simplesmente parássemos? Olhe para mim. Minhas pernas já não são as mesmas. Meus saltos já não são tão altos.

FADA: Mesmo saltando baixo você salta alto. Você é o único. Assim como eu.

COELHO: Ainda acredita que somos insubstituíveis?

FADA: Sim. Não era você que defendia o fato de continuarmos sendo uma sociedade secreta com exatamente um para cada função?

COELHO: Eu não faria de novo dessa forma. Se faltar orégano no mundo, as pessoas vão usar outra erva qualquer. Se faltar açúcar as pessoas vão adoçar com mel. Se faltar um coelho da páscoa, vão encomendar um ovo de marca. O que a gente faz é de outra época. Enquanto produzimos meia dúzia de ovos, qualquer indústria produz milhares.

FADA: E qual você prefere?

COELHO: O nosso, claro. Mas é uma artesania dispensável.

FADA: Já parou para pensar que você não é um coelho, mas o coelho, e não é um coelho na páscoa e sim o coelho da páscoa?

COELHO: Já. E isso não me traz nenhuma satisfação.

FADA: Ainda que seja pequeno, ainda que seja antiquado, ainda que qualquer coisa. Você consegue se imaginar fora disso?

COELHO: Já estou mais fora do que dentro, fada. Mas não se preocupe, você não terá dificuldade de achar outro entregador.

FADA: Em quem eu poderia confiar? Quem não se deslumbraria diante da pureza do nosso chocolate? Você sabe o que fazemos. Você é o que fazemos. Todo ano nós conseguimos tocar a alma de alguém. Podem não ser muitos, mas chegamos até alguns. Não é um serviço de entrega convencional, é o símbolo que você representa, é o cuidado que você tem ao entregar tudo sem rachaduras, é a habilidade furtiva que você tem de se esconder e aparecer na hora certa, é a sua capacidade de saltar entre os tempos e espaços.

COELHO: Você jamais me entenderá. Você não sabe o que é ter predadores. Já viu como um coelho é abatido? Um tapa quase nos mata. Um puxão de orelha é como transpassar uma espada na cabeça. Nós somos praticamente de porcelana. Precisamos estar atentos o tempo todo. É um inferno. Minha vida sempre está por um triz.

FADA: Talvez seja só medo.

COELHO: É fácil apontar daí com sua varinha.

FADA: Sabe o que é mais engraçado nisso tudo? Mesmo dizendo que vai parar, você carrega esse “chocogel” no bolso. Você sabe que precisa dessa sensação ainda. Porque é mais forte que heroína, é heroico.

O coelho passou os dedos na parafina, olhando para a chama da vela.


COELHO: Eu vou parar, querida. E os ovos não precisam chegar a lugar algum. Derreta os dentes de leite e faça o chocolate para você. Você merece.

FADA: De que adianta guardar só para mim? As pessoas precisam provar. Algum rio doce precisa correr nesse mundo deserto.

COELHO: Mesmo que eu quisesse, é o fim da linha, você precisa entender isso. Eu não tenho mais livre acesso aos túneis dimensionais. Os 4 portais dos 4 cantos do mundo ficaram obstruídos com nuvens de negatividade. Cada portal está sendo guardado por um monstro. Eu não tenho porte físico, idade e nem motivação para encarar uma luta dessas. É hora de crescer e aprender a lidar com uma páscoa sem coelho da páscoa.

FADA: Não é preciso ser um titã para vencer a batalha. Basta estar preparado e querer lutar.

COELHO: É melhor irmos embora, a vela se apagou.

PARTE 4


Em casa, o coelho apanhou uma cenoura amassada no fundo da geladeira e mastigou compulsivamente. Deitou no chão. Da posição em que estava pôde ver uma correspondência entrando embaixo da porta. Era a letra da fada, acompanhada de um selo com a imagem de um dente. A mensagem era breve: “Deixei na sua porta o que pude. O futuro está em suas mãos". Ele puxou a caixa de papelão para dentro de casa e a chutou aos poucos até encostá-la no canto da parede.


A campainha tocou. O coelho andou assustado na ponta dos pés. Jamais tinha recebido duas visitas no mesmo dia. Desconfiado, entreabriu a porta com o trinco. Era o duende da morte, que se espremeu para entrar pela fresta.


DUENDE: Fui eu que entreguei a carta há pouco, mas resolvi voltar para te falar umas coisas.

COELHO: Tudo bem, não precisa de rodeios. Estou pronto pra ir dessa para uma melhor.

DUENDE: Não, eu não vim para isso! Não estou mais trabalhando na condução de espíritos pelo vale da morte. Era um trabalho inglório. Mas justamente pelo meu know-how em morte, fui convidado para integrar a sociedade secreta da páscoa. Sou responsável por garantir a sensação de quase morte quando mordem o nosso chocolate. Uma espécie de fiscal do êxtase alimentar. Fique calmo, você não vai morrer agora, eu prometo. Não nessa noite. Quem corre riscos é a fada.

COELHO: A fada do dente?

DUENDE: Sim. Depois que você resolveu parar, ela se determinou a fazer justamente o oposto: produzir como jamais se produziu no vale do chocolate. Foi além dos próprios limites e desmaiou. Está medicada, mas a situação é bem grave. Ela coletou milhares de dentes de leite em poucas horas. Antes de sair, fez aquele velho juramento: “Nossa matéria-prima é o que a sociedade despreza. Eles não sabem que nela está a latência do que a criança teria sido se tivesse continuado criança depois de adulta. Eu prometo derreter dentes de leite e produzir o chocolate dos sonhos. Eu prometo resgatar a alma das crianças.”

COELHO: Eu consigo ouvir a voz dela falando isso. Ela me deixou num beco sem saída.

DUENDE: Ou te apontou a saída. Este ano teremos apenas uma dúzia de ovos. Todo o resto do chocolate foi usado para criar um material altamente concentrado, um verdadeiro arsenal de combate mágico. É isso que está na sua caixa.

COELHO: Eu não tenho como dizer não.

DUENDE: Com certeza. Eu quero inclusive me oferecer para ir contigo.

COELHO: Desculpe, eu jurei não revelar as coordenadas dos túneis. O sucesso das entregas futuras depende do sigilo.

DUENDE: É só botar uma venda nos meus olhos e tirar quando chegarmos! Podemos passar a noite aprendendo a usar essa parafernália toda. Para conseguir dar conta disso tudo de última hora você vai precisar de alguma ajuda.


O coelho concordou.

. . .

PARTE 5


(No primeiro portal)


O coelho apontou para uma montanha gigante de papéis higiênicos. Em torno dela havia caixas empoeiradas, cheias de produtos de limpeza. Mais à frente, um amontoado de entulho formava uma trincheira. De dentro dela, uma mão branca jogou frascos de desinfetante contra os dois heróis recém-chegados. Aproveitando uma trégua do inimigo, a dupla correu até um paredão. O monstro branco levantou a cabeça, mirando um binóculo de papelão feito com dois rolos vazios de papel higiênico, em busca da localização dos heróis.


MONSTRO: Apareçam, invasores!

O monstro disparou um aromatizante aerossol até o fim. Logo após a cortina de fumaça com cheiro de flores silvestres, apareceu um exército de origamis de papel higiênico. Os dois heróis carregaram as armas e começaram a disparar rajadas trufadas. O tiroteio sujou toda a área com borrões de chocolate, como nesgas de fezes profanando o véu imaculado do papel higiênico.

MONSTRO: Hereges! Vieram vandalizar meu patrimônio? Desmerecer meu sacrifício?

COELHO: Nós não queremos nada seu. Mas para quê acumular isso tudo? Nem que você vivesse mais 500 anos usaria todo esse estoque.

MONSTRO: Sinto muito, agora é cada um por si. Veja só a montanha que estou construindo e o quanto falta para chegar ao céu. A jornada é longa.

DUENDE: O que você espera achar lá em cima?

MONSTRO: Paz. Ar puro.

COELHO: Me parece que o seu depósito gigante está deixando o mundo justamente sem isso.

MONSTRO: E você acha que se eu sair daqui vai dar pra respirar lá fora?

COELHO: Não de maneira plena, mas pode melhorar um pouco.

MONSTRO: Sabe o que me faria respirar melhor? Não estar diante de estranhos armados até os dentes. Por que vocês não abaixam as armas?

COELHO: Como queira.


O monstro se revelou. Era extremamente pálido. Estava enfaixado em papel higiênico como uma múmia e carregava na palma da mão uma borboleta branca.


MONSTRO: Essa é a minha preciosa. Quando eu estava começando a construir a montanha, fechei os olhos e pedi determinação aos céus. Soltei o ar com toda minha intenção sem saber que minha expiração seria um sopro de vida. Quando abri os olhos, esta linda borboleta estava na minha mão. E desde então nunca saiu. É o sinal de que estou no caminho certo.

DUENDE: Eu vi acontecer algo parecido há alguns anos. É muito comum ver borboletas dessa espécie quando estamos entre a vida e a morte. Elas vêm das estrelas e costumam mostrar a direção certa. Mas podem ser confundidas e sugadas por quem acredita em caminhos errados com muita convicção. Perceba o quanto sua mão está viscosa e empoeirada. A borboleta está presa. Se não fosse por isso, ela voaria imediatamente. Essa borboleta é preciosa, mas não é sua. Não é certo você reter o intangível.

MONSTRO: Mentira! Eu vou provar!


O monstro puxou a borboleta com cuidado. Assim que as patas ficaram livres, o inseto voou em direção às estrelas.


COELHO: Calma, nós temos uma proposta.

DUENDE: Usando o aro do meu gorro, eu tenho o poder de abrir uma passagem que leva ao vale da morte. Não é o que você imagina. A morte não precisa ser o fim definitivo nem um show de horrores. Quem conhece bem o local como eu, sabe de lugares tranquilos, onde não existe uma viva alma, onde é possível se retirar pelo tempo que for necessário.

MONSTRO: Como eu posso ter certeza que você diz a verdade?

O duende tirou o gorro e se abriu o portal do vale da morte. Como um vendedor de pacotes turísticos, ele foi mostrando várias paisagens. Foi passando imagens com as mãos num mecanismo parecido com os smartphones. Dava para sentir o cheiro, a temperatura e os detalhes minuciosos das rotas. O monstro ficou encantado.

MONSTRO: Mas o que vocês querem em troca?

COELHO: Apenas que abra mão desse depósito.

MONSTRO: Eu posso abrir mão de quase tudo. Mas preciso levar um rolo de papel higiênico para me lembrar do que construí.

COELHO: Tudo bem, acho razoável. Que sua memória seja honrada.

O monstro transpassou o portal primeiro, de mãos dadas com o duende. O duende ficou entre os dois mundos por um momento. Pôde então falar com o coelho sem ser ouvido pelo monstro.

DUENDE: Eu solto ele em qualquer lugar?

COELHO: De maneira nenhuma. Faça exatamente o que prometeu.

DUENDE: Você vai se virar sozinho no resto do caminho?

COELHO: Sim, aquela caixa me dá muitas possibilidades, você sabe disso. Sua ajuda foi excelente, foi um bônus, obrigado mesmo.

O monstro já puxava impaciente a mão do duende para dentro.

DUENDE: Boa sorte, meu caro. Que haja páscoa.

COELHO: Que haja páscoa.

O coelho montou uma asa-delta com seus equipamentos mágicos e algumas caixas do depósito.

PARTE 6


(No segundo portal)


Chegou voando e pousou em campos verdejantes. Depois do belo cenário de entrada só havia estradas que davam em lugar nenhum, sem nenhuma moradia ou construção à vista.


Os moradores andavam de pantufas nas ruas. O vestuário local parecia desconexo: uma pessoa usava toalha enrolada na cabeça e calças de gala. Outra vestia roupas esportivas segurando taças vazias. Todos num ritmo semelhante, andando devagar e flexionando levemente as pernas e quadris.


Um andarilho pendurava um adorno em formato de pôr-do-sol num longo painel azul que simulava o céu. O coelho ofereceu ajuda. Foram-lhe entregues alguns enfeites de plástico como estrelas, nuvens, aviões e pássaros.


ANDARILHO: Só não cole a estrela agora, que ainda não anoiteceu.


O coelho concordou com a cabeça.


COELHO: Você que produziu esses objetos?

ANDARILHO: É claro, senão os dias vão parar de passar.

COELHO: Então aqui você é o senhor do tempo?

ANDARILHO: Sim.

COELHO: E como você sabe que seu relógio está certo?

ANDARILHO: Se está certo eu não sei, mas as pessoas têm saído de casa e gostado do céu.

COELHO: Há quanto tempo vive aqui?

ANDARILHO: Não sei. Perdi a noção de tempo por um tempo. Até que resolvi criar um novo tempo.

COELHO: E os outros moradores? Não te ajudam nisso?

ANDARILHO: Às vezes. Eu não os culpo. Estamos todos tentando nos encontrar.

COELHO: É comum chegar gente de fora aqui?

ANDARILHO: Quase nunca. É bom que seja assim mesmo. Não queremos muito contato. Quem está aqui se apóia. Não sabemos se podemos contar com imigrantes. Você parece uma pessoa de bem, acho que vai se adaptar fácil.

Um outro morador chegou com uma sacola de pantufas. Tirou um par , entregou ao coelho e pediu que calçasse. Ele tentou, mas não coube nos seus pés.

ANDARILHO: Nunca vi isso acontecer. Temos um problema aqui… Se você não conseguir calçar, terá que ser detido. Para sempre.

COELHO: Deixe eu mostrar uma coisa antes.


O coelho tirou do casaco um pequeno álbum de retratos todo feito de chocolate.


COELHO: Essas são fotos da minha infância. Esse álbum é feito de material comestível, mas eu nunca comi. Porque a minha fome de preservar minha a memória é maior que a fome de satisfazer meus instintos. Eu tive a liberdade de escolher esse limite e por isso sou livre. Vocês tiveram essa liberdade? Querem realmente estar aqui? O que vocês eram no passado?

ANDARILHO: Não lembro.

COELHO: Você acha justo que eu esqueça tudo o que fui para ficar aqui? Ou que eu ande com meus pés cheio de dores só para seguir o protocolo?

O coelho quebrou um pedaço de uma das páginas do álbum.


COELHO: Comer esse chocolate é duro e de difícil digestão pra mim. Talvez para vocês ele seja doce e leve, porque não conhecem nada da minha história. Não sabem que cada mordida que derem é uma parte de mim que é apagada.


O andarilho tirou um pedaço do álbum e provou.


ANDARILHO: Hum, nada mal.

COELHO: Prove essa foto do meu juramento. Foi o dia mais feliz da minha vida.

ANDARILHO: Essa é meio sem graça.


O coelho distribuiu pedaços de seu álbum aos cidadãos que começaram a se agrupar.

Quem comeu ficou com uma substância dourada correndo no sangue. Os pigmentos se concentraram no coração, cujo brilho transpassou a pele e foi possível ver que todos batiam no mesmo ritmo. Ao se olharem entre si, a ilusão foi desfeita. Seus corpos falsos derreteram e a comunidade se reconstruiu em um ser único, revelando sua verdadeira forma: um ogro deformado, feito de rochas magmáticas, com centenas de braços.


COELHO: Para quê esse truque de disfarce, meu amigo?

OGRO: Eu não aguentava mais ser eu mesmo. Eu precisava variar.

COELHO: Você é assim, tem todos esses braços e isso não é ruim.

OGRO: O que você fez comigo?

COELHO: Nada , eu só te devolvi a consciência. De tanto encenar a vida nessa cidade você se perdeu. Se hoje havia milhares de você, amanhã seriam milhões. Até que esse portal ficaria pequeno e você teria que achar outro e mais outro. Para manter a si mesmo, não teria alternativa senão decretar a morte ou a prisão de qualquer outro ser diferente de você. E seria o fim do mundo.

OGRO: Eu estou pensando exatamente nisso agora. Tenho muita vontade de matá-lo.

COELHO: Você quer mesmo isso? Há algumas horas eu estava pensando em desistir de tudo e uma pessoa me revelou a mim mesmo, assim como fiz com você. Eu relutei, e de certa forma matei essa pessoa. Isso me parte o coração. Porque não se olhar não é apenas uma questão individual. Ao não querer se ver você nega a existência do outro também. E todos começamos a viver ao contrário, negando-nos uns aos outros. Eu estou aqui para te dizer que te reconheço e te olho com respeito, como o gigante que você é. Você é muito mais forte que eu e pode me matar facilmente, mas se fizer isso estará matando esse meu olhar que quis te enxergar de verdade. Estará matando o que você é.

OGRO: Eu quero muito te matar.


O ogro levantou o coelho pelo pescoço. Puxou suas orelhas sabendo que causaria grande dor. O coelho fechou os olhos e sentiu o coração disparar. Seu medo ameaçou voltar mais forte que nunca, mas ele sabia que não podia morrer ali. Isso o deixou mais calmo para pensar numa saída. Passou a língua na parte inferior da boca e capturou uma cápsula de emergência. Era um chiclete dourado. Ele mascou o mais rápido que pôde e usou o pouco ar que tinha para soprar uma bola de chiclete até estourar. A pequena explosão fez arder os olhos do ogro, que deixou o coelho cair. Tentou recuperá-lo várias vezes seguidas com vários braços mas errou a mira. Até que o último braço do ogro conseguiu enganchar na roupa do coelho.


OGRO: Foi uma boa tentativa. Mas agora é hora de te abater e saborear sua carne exótica.


O monstro pendurou o coelho de cabeça para baixo num tronco. Andou em direção ao painel que simulava o céu. Lá pintou um tom de vermelho obscuro e esmagou as gaivotas de plástico.


OGRO: A partir de agora não tem dia nem noite. Eu decreto o fim dos tempos para que você sofra eternamente. Lixo de pelúcia! Vou moê-lo nos meus dentes!


O ogro começou a arrancar os pêlos do coelho, que chorava e gritava de dor com o coração descompassado. Para se manter consciente, insistiu reiteradamente na imagem mental da fada saindo do coma. Suas mãos e pés estavam amarrados. Não havia truque de Houdini que o tirasse dessa emboscada. Mas tentou uma última cartada.


COELHO: Tem água por aqui?

OGRO: O quê?


O coelho soluçava enquanto falava, demonstrando resignação.


COELHO: Se você me molhar numa bacia, os pêlos vão sair mais fácil. Você quer passar o dia todo com isso? Você tem uma cidade a reconstruir, um mundo a dominar, não?

OGRO: Você é uma piada mesmo.


O ogro encheu um balde d’água num açude próximo e pôde ver o reflexo da própria imagem. Se sentiu muito mal com o que viu: seus dentes espumavam de raiva como um cão de caça. As veias tinham saltado tanto na testa que estouraram. Não conseguia reconhecer mais nada de si. Seus vestígios de humanidade tinham se perdido. Foi tomado de tanta revolta que bateu o pé no solo com toda sua força, deixando uma grande fratura na cidade. A rachadura foi se expandindo até o céu falso de cartolina, que se abriu revelando o verdadeiro céu em pleno sol de meio dia. Olhou para si mesmo e viu que suas pernas começaram a rachar.


OGRO: Eu não sou assim, coelho, algo deu errado.

COELHO: Eu sei. Mas hoje é um bom dia pra renascer. Hoje é páscoa.

OGRO: Eu não sei se vou voltar a ser alguém. Estou todo quebrado.

COELHO: Vai sim.

OGRO: Desculpa…

COELHO: Se cuida.


As rachaduras da cidade se alastraram até chegar ao tronco onde coelho estava preso e derrubá-lo. Ele cortou a corda que amarrava suas mãos com o cutelo que seria usado para matá-lo. Foi saltando por entre os escombros. Escorregou e caiu num rio de lama, que o levou até a saída do segundo portal.


PARTE 7


(No terceiro portal)


O coelho entrou numa caverna escura. Acendeu uma tocha de cacau dourado e seguiu em frente. Mancava e sentia dores no corpo.


O final da caverna dava num penhasco. Do outro lado do abismo dava pra ver um batedor de metal tocando um grande sino oriental no ritmo aleatório do vento. Em condições normais não seria difícil pular, mas ferido, sujeito às rajadas de vento e com o peso da bagagem, seria bem arriscado. Resolveu então só manter os itens de menor peso e descartar todo o resto, desfiladeiro abaixo. Esperou o vento parar de soprar e saltou para o outro lado.


Lá, tirou o casaco acolchoado e o amarrou no batedor para abafar o som. Estava exausto para caminhar pela área como fez no portal anterior. O melhor a se fazer agora era ouvir. Escutar com cuidado os sons da cidade para economizar energia e ir ao lugar certo. Realocou os objetos mágicos nas meias e bolsos da calça. Sentiu um movimento estranho no alto de um templo. Parecia um monumento histórico. Algo antigo e robusto, que resistia bravamente à corrosão do vento.


Na fachada do templo, viu desenhos contendo xingamentos e insultos. Eram traços de vandalismo recente. Havia uma pichação satirizando a culinária local, com os habitantes comendo lixo.


O templo estava interditado com cordões de isolamento, como se fosse preciso, diante de uma cidade fantasma. O coelho passou por baixo das correntes e foi à ala principal, procurando acesso às escadarias. Todos os acessos davam em paredes de concreto. O templo estava completamente lacrado, inacessível. O coelho saiu, rondou a construção e percebeu na entrada dos fundos uma enorme pena de ave, ainda suja de tinta fresca, a mesma tinta dos desenhos ofensivos. No telhado mais alto, um barulho estranho pôde ser ouvido. Um possível sinal de vida.


Tirou do bolso pequenas molas de chocolate e acoplou na sola das botas. Começou devagar e foi aumentando a amplitude do salto. Depois de várias tentativas, conseguiu se projetar na distância exata, suficiente para agarrar com as mãos o teto do último andar da torre. O vento era forte e por pouco não caiu. Um pássaro negro gigante com bicos e garras de aço encarava a subida com um olhar predador. O coelho ficou paralisado e fez um gesto de rendição com as mãos. Deu um sorriso de nervoso, expondo seus dois dentes da frente. Falou em ritmo acelerado e com medo.


COELHO: Calma, eu não vim te machucar. Eu vim conversar. Tenho alimentos.


Num rompante inesperado e certeiro, o pássaro quebrou com seu bico o dente incisivo esquerdo do coelho. A dor foi terrível. Como enfrentar um bicho irracional para quem a fala não vale nada? O coelho tentou conter o ferimento com algumas ataduras de chocolate que guardara nas meias. Rapidamente tudo começou a rodar e de repente estava voando e sentindo as garras frias do pássaro nas suas costas. O animal batizou toda a cidade com sangue fresco de coelho. Depois de um verdadeiro desfile nos ares, o pássaro jogou o coelho no pátio principal, bem próximo ao templo. Foi até o sino e tocou com o bico num ritmo específico e reiterado, que soava como um código secreto.


Ouviu-se um barulho de pedras rolando. As obstruções das escadas do templo se romperam e desceu delas um samurai prateado com uma espada no cinto. Ele agradeceu ao pássaro se curvando gentilmente. Sacou a espada e posicionou no pescoço do coelho.


COELHO: Espere, por favor! O senhor pode falar comigo?

SAMURAI: Claro, não somos bárbaros. Que sejam ditas suas últimas palavras. Mas seja sábio. Caso nos ofenda, não hesitarei em sacrificá-lo. Mas vamos, fale, é direito seu.

COELHO: Eu vim por uma causa nobre. Para fazer o mundo renascer.

SAMURAI: Ninguém nunca pisou aqui movido por altos ideais. É sempre assim. Diante da morte iminente começam a mentir e se fingem de anjos. Mas a história sempre se repete. Vocês vêm para nos acusar, para nos culpar, para dizer que somos o epicentro do mal.

COELHO: Eu não sabia o que ia enfrentar quando saí de casa de manhã. Se soubesse nem teria posto os pés para fora. Só vim porque tenho uma missão. Gostaria de ver essa cidade com o templo aberto, respirando de novo.

SAMURAI: Houve uma época em que o templo reluzia como ouro na luz do sol. Antes dos vândalos apagarem a luz e deixá-lo cinza como uma sarjeta qualquer. Para nós ele ainda reluz por dentro. Mas as pessoas vivem entocadas, com vergonha, protegidas em suas cavernas. Tapamos a entrada de nossas casas para preservar o pouco de luz que nos restou. Nosso pássaro negro é a única garantia de segurança. Ele era inofensivo antes dos estrangeiros arrancarem suas penas para vandalizar nossa cultura com escritas grosseiras. Hoje ele se tornou mais violento que qualquer pessoa violenta, atacando antes de ser atacado. Apesar disso, não esqueceu de nós. É ele que coleta frutos e os distribui pelas frestas das cavernas para alimentar nosso povo.

COELHO: Eu compreendo… Eu vim pelos mesmos motivos do pássaro. Também trabalho distribuindo recursos pelas residências. Eu produzo chocolates capazes de alimentar as almas. E também perdi quase tudo que tinha, fui acusado de quase tudo que pode imaginar e duvidava de mim mesmo até ontem. Mas percebi que não tinha outra alternativa senão assumir o meu lugar no mundo. Eu não vou me curvar diante de vocês porque não tenho medo. Eu os entendo. Por isso vou ficar de pé.


O coelho foi se erguendo lentamente, com a espada do samurai no seu pescoço.


SAMURAI: Veja bem o que você faz. Pode lhe custar a cabeça.

COELHO: Eu quero lhe oferecer uma possibilidade de reparação por tudo o que sofreram. Prometo trazer o templo de volta à vida. Mas em troca, preciso de duas solturas: a minha e a do pássaro.

SAMURAI: Você quer nos tirar nossa única defesa? Nosso povo jamais aceitaria isso.

COELHO: Se eles recuperarem a autoestima não mais precisarão de heróis. E eu terei sido o último a precisar perder o dente à toa. Eu lhe prometo que posso cumprir o que digo.

SAMURAI: Se você conseguir terá feito o maior milagre do mundo. Eu não acredito que tal feito viria de alguém como você. Nunca achei que uma presa pudesse chegar tão longe. Mas vá lá, mostre-me.


O coelho tirou todos os itens mágicos restantes dos bolsos e os espremeu com as mãos, formando uma argamassa dourada. Fez um gesto com as mãos chamando a massa a se levantar do chão e assim foi feito. Ela envolveu toda a torre. O monumento foi ganhando um brilho muito intenso, que mudou inclusive o semblante do pássaro. Os moradores olhavam atônitos pelas frestas. Não puderam se conter e quebraram as vedações de suas casas. Tomados de luz eles se tornaram leves e começaram a voar em direção ao templo.


O coelho subiu no primeiro telhado do templo. Ao virar pra trás viu que o pássaro também estava lá, agora dourado e com um ar sereno. O pássaro baixou a cabeça em reverência ao coelho, mordiscou um pedaço do arco íris e trouxe delicadamente até o dente do coelho, que finalmente cicatrizou. O coelho apontou para a direção do quarto portal e fez um gesto chamando a grande ave. Torceu um dos braços em direção ao peito, com os punhos fechados formando uma linha paralela ao chão e correu até a beira. O pássaro sobrevoou o coelho e apanhou seu braço com as garras, conduzindo o herói até o último desafio.

PARTE 8


(No quarto portal)


Os feixes dourados tinham se acoplado ao corpo do coelho como uma segunda pele. Seu aspecto agora era mestiço: alguns pêlos brancos e outros dourados.


Foi recebido numa arena lotada. Soldados o conduziram ao centro da arena. O público gritava ensandecido. Um guarda bailarino se apresentou com uma agulha no sapato esquerdo e um grafite no sapato direito. Apoiou o esquerdo no chão e rodou o direito, formando um círculo, como um compasso. Um outro soldado chegou com um carimbo pesado nas costas e o soltou no meio do círculo recém desenhado. A imagem formada com a tinta do carimbo era a de um coelho com ovos de páscoa. Logo à frente um púlpito de grandes proporções verticais colocava em destaque um sujeito de toga e martelo na mão. Sua aparência era idêntica ao coelho da páscoa, só que mais velho, com uma longa barba branca.


O coelho foi orientado a sentar no círculo demarcado.


JUIZ: Bem vindo, estimado coelho da páscoa. Como está se sentindo?

COELHO: Cansado e disposto. Fraco e forte. Pequeno e grande.

JUIZ: Perfeito. Você aceitou se desafiar e ir até o final. Como dizia Coelhósteles: “se souber brincar com fogo, não há nada mais bonito”. Agora é um momento crucial. Acredito que seja surpreendente para você, mas não terá que enfrentar nenhum monstro nessa arena. Pelo menos gostaríamos de acreditar que não. Quem está obstruindo este portal é o senhor.

COELHO: Eu? Mas eu cheguei agora!


O público riu.


JUIZ: Chegou agora em consciência. Nós estamos te suportando há anos. Sua melancolia, sua vontade de desistir, sua nuvem de pensamentos sombrios sedimentou essa arena. E hoje você pode finalmente vê-la.

COELHO: Isso é um tribunal de inquisição?

JUIZ: Depende de você. Meu papel aqui é apenas técnico. Alguém de sua estatura espiritual é capaz de fechar um portal por si só. Daí a responsabilidade que você tem. Os outros foram fechados por egrégoras de medo coletivo. Mas esse não. Você foi o único causador. Estamos há anos esperando pela sua visita para que você enfim nos liberte do sofrimento.

JUIZ: Guardas, tragam o "grande telefone".


Foi apresentado um antigo telefone analógico com fios emendados por fita isolante. Ao invés de um plugue, a conexão no final do fio era feita de agulhas, que foram conectadas ao lado esquerdo do peito do coelho.


JUIZ: O processo é simples. O telefone vai tocar cinco vezes. Você deve atendê-lo e dizer de maneira sucinta a primeira coisa que pensar. São perguntas que te atormentaram a vida toda e você não soube como responder. Chegou a hora. Quando estiver preparado avise.

COELHO: Pode começar.

CHAMADO1: Qual o seu maior sonho?

COELHO: Fazer com que os outros sintam a luz do cacau dourado.

CHAMADO2: Qual o seu grande medo?

COELHO: Ser devorado por predadores.

CHAMADO3: Você sabe como superar esse medo?

COELHO: Sei. Enxergando os predadores como seres que estão me polindo e medindo se estou acreditando mesmo no meu objetivo.

CHAMADO4: Quem acredita em coelho da páscoa hoje em dia?

COELHO: Eu acredito. Porque eu o sou. Eu me tornei a mim mesmo.

CHAMADO5: E o que isso significa?

COELHO: Que todas as portas se fecharam para mim a vida toda, a única que se abriu foi a que me levou a ser o coelho da páscoa.

JUIZ: Prove.

Abriram-se cortinas, revelando milhares de portas.


JUIZ: Você tem o direito de abrir apenas uma. Quando eu fizer o sinal, saia do círculo e caminhe sem oscilar, em linha reta, direto para a porta escolhida. Se você acertar, este portal será liberto. Se você errar, terá que enfrentar todos os monstros de novo. Nos poupe do erro, por favor. Olhe para o tamanho da minha barba, ela é a medida de todo o tempo esperando que você acerte.


A torcida gritava em polvorosa dando palpites: "pegue a porta azul", “pegue a porta com detalhes ornamentados". Alguns jogaram cenouras indignados ao verem que o coelho os ignorava. O coelho tapou os olhos e caminhou precisamente para uma das portas.

PARTE 9


Acordou em casa. Cochilou um pouco antes de ouvir as batidas na porta de casa. Lá estava o duende, ajeitando seu gorro com expressão de espanto e alegria.


DUENDE: Meu Deus! Você voltou!

COELHO: Como foi com o monstro dos papéis higiênicos?

DUENDE: Aquele ali não tem jeito, ele está construindo uma outra montanha com folhas de árvores locais. É uma obsessão.

COELHO: Só espero não construir minhas montanhas de novo… Que dia é hoje? Que horas são?

DUENDE: Ainda é páscoa, mas falta pouco para anoitecer. Eu realmente estou surpreso que você tenha conseguido voltar em tão pouco tempo… Você está bem?


O coelho riu.


COELHO: Sim, eu escolhi a porta certa.

DUENDE: Nossa, que riso é esse de um dente só?

COELHO: Me machuquei um pouco, mas de resto estou bem. E a fada?

DUENDE: Ela está resistindo. Necessita de uma dose mais intensa do remédio. Ela precisa de um daqueles chocolates concentrados. Mas está tranquilo, com certeza você não usou tudo aquilo. Vamos derreter alguns e logo ela estará de volta.

COELHO: Meu caro, eu usei todos.

DUENDE: Nossa… Pelo menos você está vivo… Mas tudo há de se resolver de algum jeito.

COELHO: Dê-me esses ovos. Eu vou entregar tudo o que puder até o fim do dia.

DUENDE: Tem certeza? Não é tão necessário na verdade. São muito poucos. As crianças que tinham que ganhar já ganharam por outras vias. Você pode dormir um pouco se quiser. Eu fiquei aqui porque realmente não tinha pra onde ir hoje.

COELHO: Doze crianças ainda podem ser salvas esta noite.

DUENDE: Então toma, são todos seus.

. . .

PARTE 10


Onze países receberam os ovos em pouco tempo. Agora faltava entregar o último. Uma casa chamou a atenção do coelho, pois tinha um papel colado na porta com um desenho detalhado de um ovo de páscoa. Da janela da varanda um menino olhava pra rua com um olhar de contemplação. A mãe foi até a entrada da casa e tirou o desenho da porta, apontando para o relógio e fazendo um gesto para o filho sair da varanda e ir dormir. O coelho olhava tudo de trás de uma moita. O garoto ficou mais algum tempo com as mãos no vidro da janela. Antes que desprendesse o último dedo do vidro, o coelho correu e alinhou a palma de suas mãos com às do menino, do outro lado do vidro. O menino dilatou as pupilas. O coelho, que escondia o chocolate nas costas, puxou o presente para frente e chacoalhou a embalagem sorrindo. O menino achou graça ao perceber que o coelho também não tinha o dente da frente. O ovo foi entregue pela fresta da janela. O menino tomou ar para chamar a mãe na esperança de que ela enfim o entendesse, mas o coelho o interrompeu com um indicador na própria boca e em seguida tocando no lado esquerdo do peito do garoto. O menino segurou os braços do coelho e lhe entregou o amuleto. O coelho abriu o envelope. Era uma rara moeda feita no vale do chocolate, com alta concentração de cacau dourado.



🔌 Este texto surgiu da conexão de ways. Leia aqui!


ancora blog
bottom of page